quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O Prazer da minha morte


Minha espinha lateja ao sinal sufocante da morte. Ela me invade, com o prazer latejante de uma noite de amor. Invade minhas entranhas, banha-me com o bálsamo da dor, misturado à ânsia de ir-se, simplesmente por não querer mais abrigar neste corpo minha alma no estado de espírito no qual se encontra.  Deito-me e aguardo-a tomar-me. Lúcida, lembro-me dos momentos torpes de minha vida nos braços de um homem sádico. Aah, prazerosos momentos. Grandes momentos de felicidade e paixão, seguidos da angústia de ter em meu ventre uma criança, fruto do amor proibido e pecaminoso entre uma menina de 12 anos e um homem de 38. E como amei aquele homem, pensei. Depois de nascida a criança, lembro-me bem, entregamo-la aos criados, servos humildes e imundos de meu amante, para deleitarmo-nos nos prazeres do sexo e da bebida. Penso que, depois de toda a maldade que se apoderou do meu corpo naqueles tempos, nada mais justo do que sofrer com uma morte repentina, fruto de uma arma portadora de uma enferrujada bala fatal. Porém, agora provo da mais intensa felicidade ao encontrar a morte, sensual amiga que me permite sentir o gosto do sexo do homem que amei. Sim, traiçoeira fui. Assassinei-o, quando tinha 22, depois de voltar de tratar os porcos. Empregada daquele nojento tornei-me, depois que o meu corpo já não podia dar-lhe o prazer que almejava. Fui tola. Destruí minha vida por um homem. Agora, passados 23 anos, compartilho com a morte minhas angústias passadas. Ela me conforta e entende. Recebo-a como uma grande amiga. Desfruto do prazer que ela me dá, seu vento frio toca minha pele e acaricia-me o pescoço e a espinha. Encontro-me em meu recinto, sobre a cadeira de palha no quarto bolorento. Todos os meus filhos a amiga morte já levou. Agora, ela vem conversar comigo, vem me buscar para abrigar-me em seu albergue. E eu vou. Se a morte é assim tão prazerosa como a vida, e reserva a mim tantos mistérios ocultos, se vem me abraçar, deseja-me como nunca fui desejada por outrem eu a seguirei. E assim meus olhos nada mais viam e minha cabeça tomba da cadeira com um baque surdo.

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